Simone, Kelly, George, e tantos outros milhares de jovens, acreditaram em promessas de trabalho no exterior e se viram presos numa armadilha cruel, de escravidão, prostituição e morte.
NOTA: Só o conhecimento dessa triste realidade é que poderá impedir que mais jovens caiam nas mesmas armadilhas. Nem todas as ofertas e trabalhos no exterior são do tráfico, por isso, deve-se pesquisar em fontes confiáveis antes.
Jéssica em Salve Jorge (Carolina Dickman) O personagem foi inspirado em histórias reais.
Caso Simone Borges, 23 anos - Destino Espanha Espanha
O que restou para a família de Simone foi uma foto, a sensação de impotência e impunidade, além do vazio eterno ocasionado pela saudade. A jovem de 23 anos deixou o Brasil em busca de melhores condições de vida na Espanha. Aliciada por uma quadrilha que trafica mulheres para fins sexuais, Simone morreu misteriosamente no país desconhecido, apenas três meses após sua chegada. Até hoje, os pais buscam explicações para o fato e dizem que nunca mais foram os mesmos desde o falecimento precoce da filha.
SIMONE - filha traficada
"Mandava sua fotografia toda semana para a família, para dizer que estava tudo bem... Um dia ligou e pediu que comunicasse a Polícia Federal, a Embaixada, que as mulheres estavam todas retidas, todas presas...eram obrigadas a prostituir-se senão morriam de fome e muitas usavam drogas. Eu fiquei sem saber o que fazia... Aplicaram overdose nela, soltaram na rua...morreu minha filha...Eu fiquei fazendo curso nessa rua, sem saber o que fazia... Ao reviver isso, a emoção toma conta do pai de Simone e ele tenta continuar o relato.
Aí fui lutar...Lutar e pensar nas outras que estavam lá. Olha, agora eles não fazem mais mal para a minha filha, mas não vou parar, vou lutar para salvar as outras que estão lá." (João Borges, pai de Simone Borges)
Simone Borges, 25, saiu de Goiânia rumo à Espanha, em 1996. Pretendia trabalhar num bar e juntar R$ 6.000 para seu enxoval de casamento. Ao chegar a Bilbao, viu-se obrigada a se prostituir. Pediu que a família avisasse a polícia.
Simone morreu no hospital, em decorrência de pneumonia. "Minha filha era saudável, ela morreu envenenada para não denunciar o esquema", diz João Borges, 77.
Segundo o depoimento de uma colega de Simone indica que ela morreu em decorrência de negligência médica ao tratar sua pneumonia. Na origem, estaria o preconceito da equipe do hospital contra a prostituição e a imigração. Para a família, ela foi vítima de uma máfia. O pai de Simone deu um depoimento emocionado (Veja vídeo ao lado) em "Salve Jorge", a novela da Globo. Simone Borges, junto com outra brasileira, Kelly Fernanda Martins, 26 que foi tentar a sorte em Israel e também não voltou com vida, tornaram-se uma espécie de mártires e hoje são o símbolo na lutra contra o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual.
Caso Kelly Fernanda Martins, 26 anos - Destino israel Kelly saiu do subúrbio de Guadalupe com a promessa de US$ 1.500 por mês em Israel e deixou para trás a mãe e os dois filhos. Sem falar uma única palavra de hebraico ou inglês e acreditando que trabalharia em lanchonetes ou casas de família, ela acabou sendo mantida em cárcere privado, obrigada a se drogar e a se prostituir em boates. .Relatou ter sido forçada a manter relações com dez homens por dia, em jornadas de até 13 horas.
Para manter as jovens brasileiras em Israel, os passaportes eram retidos na chegada a Tel Aviv pelos integrantes da máfia russa que exploravam o tráfico de escravas sexuais. Em novembro de 1998, oito cariocas foram resgatadas pela polícia israelense na casa de prostituição. Morte no submundo de Tel Aviv
"Bruno e Igor, mamãe ama muito vocês." Assim começa a última carta que Kelly Fernanda Martins escreveu aos filhos, com data de 14 de outubro, três dias antes de morrer em Tel Aviv, Israel. Até o fim da tarde de quinta, 29, a polícia israelense ainda não tinha divulgado a causa da morte de Kelly, cujo corpo embalsamado chegou ao Rio na terça. A morte da carioca de 26 anos, nascida no subúrbio de Guadalupe, revelou os terrores de uma rede de prostituição que explora mulheres brasileiras em boates de Israel.
Segundo denúncias de duas outras cariocas que conseguiram voltar para o Brasil, a rede é explorada por mafiosos russos e controla cerca de 200 casas de prostituição em Israel. As mulheres, aliciadas em vários países, trabalham em regime de semi-escravidão sob ameaça de morte. Há atualmente oito mulheres brasileiras sob proteção da polícia israelense em Tel Aviv. Elas foram resgatadas de uma boate da cidade na sexta-feira 23 e estão escondidas num hotel pago pela Embaixada do Brasil. O “caso Kelly” só tornou-se público porque sua mãe, S. R. M., 48 anos, procurou o jornal O GLOBO no dia 22/10/1998, para denunciar que sua filha fora assassinada por integrantes de uma quadrilha que aliciava brasileiras para trabalharem no exterior, mas na realidade as obrigavam a prostituirem-se.
Em depoimentos à Polícia Federal e ao GLOBO, Selma disse que, em agosto de 1998, Kelly estava em uma festa junina, quando foi abordada por Rosana e Suzana, moradoras do bairro de Ricardo de Albuquerque, zona norte do município do Rio de Janeiro, que tentaram convencê-la a trabalhar em Israel, onde ganharia muito dinheiro.
O corpo de Kelly foi encontrado na rua, em Tel Aviv. O atestado de óbito apontou overdose de drogas ou de remédios como "causa mortis". Para a família: assassinato.
Ambas renasceram na tela da Globo, fundidas na personagem Jéssica (Carolina Dieckmann), da novela das nove "Salve Jorge", de Gloria Perez. Uma das colegas de Kelly, a brasileira assassinada em Israel, diz que a novela é como um flashback de sua história. O resgate das brasileiras foi destaque do "Fantástico" e fez o então ministro da Justiça, Renan Calheiros, se deslocar até Israel para acompanhar o desfecho da operação. No Congresso, uma CPI sobre o tema que se encerra nas próximas semanas não trouxe casos tão dramáticos quanto os de Simone e Kelly, ocorridos há quase 20 anos. "Eu trabalhava das 9h à meia-noite. Tinha que 'fazer' até 20 homens por dia. Ninguém aguenta. A gente não saía nem pra comer. Quando tentamos fugir, minha amiga foi morta", lembra a maranhense de 48 anos que vive no Rio. "A novela é light perto do que eu vivi. A censura não deixa mostrar tudo." Uma cena em que a personagem Jéssica é estuprada teria sido descartada pela Globo. A colega de Kelly lamenta a morte e o estigma. "Minha irmã ouviu de um policial no aeroporto: 'Enterramos uma puta na semana passada e agora temos que vir buscar mais oito".
Também em 1998, a Polícia Federal prendeu o espanhol Mariano Ortin Martinez, que mantinha um esquema de levar mulheres brasileiras para se prostituir na Espanha. Em 2001, a Interpol e a Polícia Federal investigavam envolvimento de policiais militares do Rio com a chamada Conexão Ibérica, uma associação entre as máfias espanhola e francesa que tinha levado cerca 500 mulheres brasileiras para se prostituir em países da Europa. No mesmo ano, a Interpol identificou pelo menos 18 aliciadores de mulheres e menores. Os principais locais de atuação dos aliciadores eram boates, agências de viagem, salões de beleza e cooperativas de transportes.
O estado de Goiás figura como um dos campeões nacionais no tráfico de pessoas, sobretudo mulheres. Para o membro do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), o juiz Rinaldo Aparecido Barros, muitos aspectos contribuem para a liderança do estado, entre eles, a beleza da mulher goiana, que é a mão de obra predileta e prioritária para os traficantes, os quais fazem falsas promessas de emprego como babás e modelos e até mesmo apresentam a prostituição como uma oportunidade mágica de enriquecimento. Segundo afirma um juiz, o tráfico de mulheres costuma ser mais vantajoso para um criminoso que o tráfico de drogas, uma vez que a mulher explorada não é descartável e pode ser reutilizada por meio de diversas vendas, sendo esse ciclo encerrado apenas com a morte ou o enlouquecimento da vítima. Fonte/Folha de São Paulo/9/12/2012) e Globo.
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João Borges conta a história de sua filha, que foi traficada
Cláudia Guedes, 28 anos traficada
CLÁUDIA GUEDES - Destino Alemanha Cláudia foi vendida por R$ 20 mil, mas conseguiu voltar c om vida.
Julho de 1995. No salão de beleza em que trabalhava, no bairro Azenha, na Capital, a cabeleireira Cláudia Guedes ouviu de uma amiga modelo a oferta de "virar mulher de europeu rico, ganhar dinheiro para dar uma casa para a mãe".
Cláudia só teria de ir a Europa para ser apresentada a um bem-sucedido comerciante siciliano, que vivia em Neuss, na região de Düsseldorf. O interesse do italiano era se casar com uma negra brasileira e viver na Bahia. Se Cláudia aceitasse, teria vida de princesa. Do contrário, poderia trabalhar lá ou voltar para casa.
Morena, solteira, 28 anos, com uma criança para criar, Cláudia cedeu aos apelos e embarcou para a Alemanha. Foi recebida pela irmã do agenciador de modelos. A mulher levou Cláudia para lojas de roupas, salão de beleza e depois para a "nova casa". O futuro marido saiu com Cláudia para um passeio de carro. Com o dobro da idade dela, o homem decidiu: ficariam juntos, Cláudia teria carro, moradia, comida, mas não poderiam se casar — ele já era casado. Estava proibida de sair sozinha da casa da amiga e teria de esquecer o filho deixado com a mãe:
— Àquela altura, já tinha me arrependido, me desesperei e gritei: "meu Deus". Ele, enfurecido, dirigindo a 150 km/h, tirou as mãos do volante e disse que não acreditava em Deus, que tinha de ser do jeito dele, porque tinha pago por mim. Perguntava se eu tinha recebido dinheiro.
Desnorteada, Cláudia foi levada ao "cativeiro". Quinze dias depois, o agente de modelos apareceu na casa. O italiano cobrou explicações, e exigia de volta o que tinha pago — R$ 20 mil. Além de Cláudia, Salvatore também fora ludibriado.
— Aí, teve muita confusão e entendi que tinha sido vendida. Bateu o pavor.
Foram 25 dias de angústia até que Cláudia recebesse o passaporte para embarcar de volta. De mãos e bolsos vazios.
/RBS
George Teixeira, 23 anos, morto na Alemanha
A viagem sem volta de George - destino Alemanha Egresso do Exército, ambulante, George Teixeira, 21 anos, tinha pressa em mudar de vida. Queria ajudar a mãe, a cozinheira Terezinha Natália de Souza, e os dois irmãos a sair da situação difícil de pobres migrantes catarinenses refugiados em uma casa da Vila São José, em Porto Alegre.
Não titubeou quando uma vizinha ofereceu R$ 200 por dia como instrutor de academia na Alemanha, além de cama e comida de graça. George vendeu um Fusca, comprou passagens de ida e volta, tirou fotos para o passaporte, e convenceu a mãe de que tinha tomado a decisão certa.
— Ele era muito ambicioso e dizia para mim: mãe, deixa eu ir, volto em três meses e nossa vida vai mudar — lembra Terezinha, vivendo hoje em Urubici, na serra catarinense.
Em junho de 1996, George embarcou para a Europa. Terezinha não tinha telefone, e George se comunicava por cartas. Começou a se queixar da falta de trabalho e dinheiro, disse que virou stripper em uma boate e que tinham furtado sua passagem de volta ao Brasil.
Quase um ano depois, George apareceu de surpresa em casa. Para a mãe, tinha o semblante estranho. Ficou apenas um pedaço de uma tarde de abril de 1997 na casa dela e contou que retornaria logo para a Alemanha porque viajara com dinheiro emprestado pelo dono da boate e precisava trabalhar para quitar a dívida. Foi a última vez que Terezinha viu o filho.
Em julho de 1998, George escreveu contando que tinha se casado com uma alemã, e que pretendia casar-se com a jovem em Porto Alegre, prevendo chegar em setembro. Em 24 de agosto daquele ano, um fax chegou às mãos de Terezinha, informando a morte do rapaz. O corpo tinha sido encontrado no banheiro de casa, com um cinto de roupão enrolado no pescoço. Para a polícia alemã, suicídio.
— Mataram meu filho — esbraveja em prantos a cozinheira desempregada Terezinha Natália de Souza, 59 anos, que jamais viu o corpo de George, enterrado em Hamburgo, há 14 anos.
A cada cinco dias, uma vítima é alvo deste tipo de crime em solo brasileiro — seja para o tráfico interno ou externo, conforme levantamento de outubro realizado pela Secretaria Nacional de Justiça, em conjunto com o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC). A maioria é explorada sexualmente, predominantemente jovens mulatas e negras, um fetiche dos europeus.
/ZeroHora
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